Renata Avila
Soberania Digital ou Colonialismo Digital? Novas tensões relativas a Privacidade, Segurança e Políticas Nacionais
Considerando o ambiente digital e a partir dos sistemas tecnológicos de coleção e tratamento massivo de dados, há hoje um conflito entre controle e liberdade que ultrapassa a esfera individual, tendo efeitos em populações e regiões inteiras. Renata Ávila questiona se estes efeitos podem ser considerados uma nova forma de colonialismo digital.
A partir desta proposição, a autora busca apresentar soluções regionais, nacionais e comunitárias focadas em políticas proativas e no desenho de novas estruturas tecnológicas.
Definindo o problema: Colonialismo digital e feudos tecnológicos
Além da problemática já consolidada de que a vigilância se tornou ubíqua em anos recentes, sendo praticada tanto por governos quanto por empresas privadas, Ávila adiciona o fator de que tanto estes governos quanto empresas que praticam a vigilância são parte de um pequeno grupo de atores situados majoritariamente em uma única jurisdição e que estão causando uma rápida erosão da soberania estatal e da democracia.
“Nunca um setor pequeno teve tanto poder sobre o mundo inteiro, para monitorar o presente e prever comportamentos futuros não apenas de indivíduos, mas de populações inteiras. O problema é mais alarmante quando consideramos como os setores público e privado estão se fundindo em corporações em busca da dominação global, penetrando em todos os governos, movimentos populares, mediando toda ação na vida de cada pessoa conectada por meio de dispositivos digitais e coleta de dados.”
→ Noção de “surveillant symbiosis”, de [[ Neil Richards ]]
A autora identifica 3 elementos presentes nos poucos países com posição de atores globais de vigilância:
- Recursos, tanto de capital quanto intelectuais;
- Arquitetura jurídica nacional e internacional, que impede que os pequenos países adotem políticas que favoreçam a produção e compra de bens e serviços produzidos localmente (O sistema de patentes global como ferramenta do colonialismo de dados);
- Disponibilidade de capital financeiro para testar e projetar novos modelos, por meio de fundos públicos, capital de risco ou parcerias público-privadas.
“As populações off-line do mundo são o território disputado dos impérios tecnológicos, porque quem as aprisionar em seu feudalismo digital deterá a chave para o futuro.”
A autora identifica os programas de gigantes da tecnologia como Google, Facebook e SpaceX para conectar o próximo bilhão de pessoas que atualmente não estão conectadas como uma corrida pelo controle da extração dos dados. Esta conexão já chega em um formato extremamente limitado para os usuários e focado na coleta de dados, sendo descartados programas que focam no desenvolvimento de tecnologia, no ensino de programação e na criação de hardware. Em troca, se tornam padrão programas nos quais todo o acesso e conexão à internet ocorre por meio de um único dispositivo celular (com SIM registrado) com acesso aos serviços de uma única empresa.
→ [[ Shoshana Zuboff ]], “Dark Google”
A autora demonstra como não somente existe o problema da capacidade tecnológica e econômica de um país menor bancar os próprios softwares e hardwares mas também há o problema das possíveis sanções e penalidades aos países que ousam tentar.
“Conforme a tecnologia continua a penetrar nas principais atividades de todo e qualquer ramo do governo, o próprio governo se torna mais vulnerável do que nunca, contando com infraestruturas essenciais que não controla.”
“O problema não é somente a dependência de um provedor estrangeiro ou as leis aplicáveis a dados digitais; o problema também trata da ausência de políticas públicas para abordar a questão em todos os níveis. A situação da dominação digital, próxima ao colonialismo, ainda não constitui a principal prioridade da agenda política global. Quase quarenta anos após a invenção da internet, a capacidade de políticos e líderes sociais de entender as dimensões do problema ainda é escassa.”
Explorando espaços de resistência e soberania tecnológica
“A América Latina liderou os primeiros passos rumo à soberania digital no início dos anos 2000. Alguns países tomaram medidas adequadas para estar prontos para substituir os fornecedores estrangeiros pelos locais. Embora na Índia o uso de software de código aberto pelo Estado seja obrigatório desde 2005, países da América Latina como o Brasil e a Venezuela (Decreto nº 3.390 2004) promulgaram leis, ainda antes, em 2004, estabelecendo a migração de dados governamentais para softwares livres. Iniciativas semelhantes ocorreram posteriormente no Equador (Decreto nº 1014 2008), no Uruguai (Lei nº 19.179 2013) e na Bolívia (Decreto Presidencial nº 1793 de 2013).”
→ [[ Sunil Abraham ]]
A autora cita o povo nativo Maori:
““…a substituição deliberada de tecnologias locais por tecnologias carregadas de lucros e valores eurocêntricos tem sido parte da agenda colonizadora por muitos séculos””
Ávila identifica acordos e compromissos nacionais e regionais de médio a longo prazos como possível estratégia de resistência, bem como estratégias nacionais de soberania digital, que devem abarcar:
- Modificação dos currículos escolares;
- Investimentos pesados em fundos como as Plataformas de Sensibilização Coletiva para a Sustentabilidade e a Inovação Social (Collective Awareness Platforms for Sustainability and Social Innovation – CAPS, na denominação em inglês);
- Necessidades específicas, habilidades e visão de cada país;
- Investimento de maneira proativa em aplicativos sociais de tecnologia
- Em nível constitucional, garantir a manutenção da capacidade de legislar e regular as tecnologias emergentes e seu impacto nos direitos fundamentais de seus cidadãos.
Em conclusão, as políticas que vencem o colonialismo digital são:
- Enraizadas na cultura local;
- Descentralizadas;
- Pautadas pela lógica da produção digital aberta